domingo, 17 de fevereiro de 2013

Longe e perto

Do outro lado, perdido naquela avenida larga e movimentada, sem perceber que as cartas que recebia e correspondia eram de amor, ele caminhava intuitivamente em direção à esquina, sentindo que algo estava por vir. Durante o caminho fazia longas paradas e se entretinha com aquelas belezas que passam desapercebidas aos apressados, cenas aparentemente corriqueiras e sem importância para os que lançam um olhar comum. O tempo que passava com elas não era daquele que se mede nos relógios, era o tempo de Kairos, do momento oportuno. Quando ele pressentia que estava na hora de seguir, punha-se a caminhar novamente, estrangeiro, sem território, sem raízes, sem vestígios de qualquer coisa que lhe parecesse familiar. Essa inquietude o inebriava de possibilidades, mas trazia, ao mesmo tempo, uma insegurança que o impelia a tentar reconhecer algum traço na paisagem, como se quisesse encontrar um lugar, descobrir certo pertencimento. Por vezes ele acreditava ter alcançado o que lhe faltava, mas logo percebia que a inquietude e a intuição continuavam a guiá-lo para a esquina que, longe e perto, sobrevivia a Chronos para acalentar o tempo propício de um encontro. Enquanto isso, em outra parte da cidade, junto com as cartas, multiplicava-se o amor.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Brinquedos de palavras

Ela não sabia afinal que o que partilhava com ele eram cartas de amor. De um amor que aconteceria quando dobrasse a próxima esquina. Por não saber ela vivia o tempo da espera. Caminhava a passos lentos atenta a qualquer sinal na paisagem, mas se distraia com facilidade e esquecia o percurso. Acabava inventando outros lugares aonde ir e modos de chegar.
O tempo corria e as cartas se multiplicavam, algumas se perdiam, outras nem eram lidas. Ela não recordava mais para que ou quem escrevia, nem o rumo em que os pés a levavam. E a esquina que ela quase dobrou continuava lá... tão perto! Mas o vai e vem, as bicicletas, a chuva, os encontros, sempre atravessavam o caminho.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Se destilar o ódio
Ajudasse
A arrancar raízes
E o grito
A expulsar a flor


Se o ranger de dentes
Não deixasse então
Nenhum pedaço
E o olhar fulminante
Petrificasse qualquer traço


Seria possível então matar a dor?